“Memórias
de uma infância imaginada”
Por: Erika
Garcia
Quando ela
sentou-se ao meu lado, não sabia direito o que lhe dizer ou como agir. Desde
criança corríamos pelo quintal atrás de bolhas de sabão que davam ao céu um novo
colorido.
Nos olhamos
brevemente, sorrindo de canto, parecia que o tempo não havia passado. Senti o
cheiro do pão fresquinho saído do forno que comíamos sentadas na soleira da
porta, com a manteiga derretendo de tão quente que ele estava.
Todas as
tardes nos escondíamos atrás da árvore do quintal da vovó, para podermos
brincar até o por-do-sol. Recordo-me de minha avó gritando pela janela:
- “Sai daí
guria! Já tá na hora do banho!”
Mas não
queríamos ir embora! Tinhamos nossos segredos e mistérios e aquele quintal era
nossa fortaleza. Lá podiamos ser as mais corajosas cavaleiras do reino.
Podiamos ser fadas e bruxas. Na primavera éramos as princesas do reino
Margarida, no outono corríamos pelo quintal à procura de folhas secas para
prepararmos a comida de nossas “filhas”…fazíamos de conta que voávamos pelo
espaço, que éramos apresentadoras de TV, que um dia seríamos presidente do
Brasil.
Quando ficava
muito tarde, corríamos pela calçada para pedir à mãe da Bia para que a deixasse
dormir em casa. Fazíamos a cara de criança chorona mais amável do mundo e quase
sempre a convencíamos com um: “Vai tia, eu cuido da Bia, faço ela escovar os
dentes antes de dormir e prometo que não ficaremos acordadas até de madrugada!”
É claro que
conseguiamos fazer com que ela deixasse a Bia dormir em casa! Nesta época, eu
morava com minha avó e aos finais de semana ia para a casa dos meus pais.
Durante a semana achava um tédio ficar sozinha e tratava de logo que saísse do
colégio passar na Bia para buscá-la para brincar. Ela morava com a mãe, mas
passava o dia com Toninha, uma moça novinha que cuidava dela enquanto dona
Cássia, mãe da Bia, trabalhava.
O dia que
conheci Bia foi o mais divertido da minha vida! Tínhamos 5 anos e era a
primeira vez que passava férias na vovó. Estava na calçada, brincando de
amarelinha, quando Bia passou com sua mãe. Ela aproximou-se de mim e disse:
- “Duvido que
você consiga chegar naquela árvore antes de mim”
Achei-a tão
petulante! Na época eu não sabia o significado desta palavra, mas sem dúvida se
soubesse, teria lhe dito isso!
Corri em sua
frente, mas quando fui encostar na árvore, escorreguei e cai de joelhos no
chão. Foi o maior berreiro! Chorei mais do que bebê quando toma injeção. A Bia
correu para me levantar, mas eu só sabia chorar! Ela sentou-me na calçada e
soprava meu joelho tão docemente que parei com o berreiro para ver como ela me
cuidaria. Bia desde os 5 anos já sabia como cuidar de minhas feridas!
Correu em seu
quintal e veio com um copo de água para lavar meu machucado e um pedaço de papel
higiênico para fazer o curativo. Parei de chorar, ela sorriu de canto e disse:
- “Não falei
que chegaria na árvore primeiro?”
Demos risada e
vovó chegou para ver o que eu estava fazendo com o rosto cheio de lágrimas e a
perna enrolada no papel. Levantei-me devagar, abracei Bia e lhe disse: “Você
gosta de brincar de casinha?” Ela nem respondeu, correu para sua casa mais uma
vez, antes que eu pudesse pensar o porque de seu sumiço, ela voltou com duas
bonecas de pano que sua mãe lhe fizera.
Pedi à vovó que
nos fizesse um bolo de fubá, para comer com leite. Bia adorou a ideia! Era seu
bolo favorito, e se tornou o “nosso bolo”. Dona Cássia pediu a vovó para olhar
Bia enquanto fosse ao mercado e nós duas pulávamos no sofá de tão felizes!
Começou aí uma amizade que duraria a vida toda!
Enquanto
dávamos comida para nossas bonecas, vovó preparava nosso lanche. Pegamos uma
caixa de sapato e montamos uma pequena casa, desenhada com canetinha as janelas
e as portas. Entrei escondida no quarto da vovó e peguei seus colares e alguns
batons, afinal agora éramos mães de duas meninas e precisavamos nos cuidar!
Bia passou o
batom em mim, mas eu ria tanto que ela me riscou até o queixo! Trocamos de
roupa uma com a outra, para fazer de conta que tinhamos nos arrumado para sair
com as bebês. Estavamos radiantes, até que Bia não quis mais me emprestar sua
boneca, pois dizia que ela chorava muito ficando em meu colo!
- “Imagina
Bia! A Sofia me ama e eu sou a mãe dela!”
-“Não é não!
Ela quer ficar no meu colo e você não sabe cuidar dela”
- “Sei sim”E
ela me disse que odeia você!”
-“E eu também
odeio você!”
Bia saiu
correndo quarto a fora e eu não sabia o que fazer. Comecei a chorar e vovó
correu no quarto, para ver o que estava acontecendo. Expliquei-lhe tudo aos
prantos e ela abraçou-me carinhosa. Não era preciso falar nada, pois ela sabia
como ninguém me acalmar.
Fomos ao
encontro de Bia no quintal e vovó nos fez pedir desculpas e nos abraçarmos. Foi
a primeira de nossas brigas, mas também a última.
Passaram anos
deste este dia e já fazia alguns meses que não nos víamos, mas agora lá estava
ela, sentada ao meu lado na sala do hospital, aguardando notícias da vovó.
Éramos mais do que amigas, éramos irmãs e sentíamos a mesma dor neste momento.
Relembramos das grandes aventuras da infância feliz que tivemos no quintal
daquela enorme casa, que hoje já não era mais tão cheia de cores e sons. Nos
abraçamos bem apertado, Bia secou minhas lágrimas com um beijo em cada lado e
falou baixinho:
-“A vovó
sempre estará conosco!”
Eu sabia que era
verdade, então não havia mais nada a fazer, apenas silenciar o coração.
Texto escrito para o curso: Pedagogias das Infâncias - Outubro, 2011.
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